Mindfulness, a vida como ela é

O livro “Manual Prático – Mindfulness, Curiosidade e aceitação” (Palas Athena, 2015), de Javier García Campayo e Marcelo Demarzo, apresenta de forma clara e sistemática um caminho saudável para lidarmos com os desafios inerentes a vida humana, intensificado pelas constantes mudanças e transformações de nosso mundo contemporâneo.

Com Origem nas antigas tradições religiosas orientais, a prática de mindfulness foi introduzida no ocidente a partir do século XX pela psicologia e medicina. Em 1979, a fundação do Centro de Mindfulness na Universidade de Massachusetts (EUA), por Jon Kabat-Zin, marca o início de um período de grande desenvolvimento dos programas baseados em mindfulness voltados para a área da saúde.

Mindfulness não significa meditação. Refere-se a um estado ou característica da mente humana, presentes em todas as pessoas, em maior ou menor intensidade. A meditação é uma das técnicas mais utilizadas para desenvolver essa característica. Definindo, mindfulness é a capacidade de manter-se atento ao momento presente (Atenção), de forma intencional (Intenção), com uma atitude de curiosidade e aceitação (Atitude).

O cultivo desse tipo de estado mental é capaz de promover resultados como a autorregulação da atenção e uma atitude mais aberta a experiência, onde o indivíduo experimenta gradualmente a redução dos processos mentais ruminativos, dos devaneios sobre o passado e futuro, e da falta de atenção e concentração na própria experiência. A de se notar que tais fatores, sobre os quais a prática de Mindfulness atua, compõem alguns dos importantes quadros de sofrimento psíquicos da atualidade, como a ansiedade e a depressão.

De fato, atualmente, inúmeras pesquisas demonstram os benefícios que a prática regular de Mindfulness é capaz de proporcionar àqueles que se dispõem a percorrer um caminho particular de transformação e aprendizagem, buscando encarar a si mesmo, os outros, suas relações pessoais e a própria vida, na exata forma como ela se apresenta, sem nada lhe acrescentar, sem nada lhe retirar. Como se entende em Mindfulness a dor é apenas dor, o prazer é apenas prazer, a sensação, o sabor, o som, e toda e qualquer outra experiência, é apenas exatamente o que é.

E toda essa jornada se inicia com exercícios e práticas muito simples, mas completamente desafiadoras. Experimente manter-se atento a sua própria respiração, e a tudo que isso evoca em sua experiência imediata, por alguns momentos. E isso é tudo! Simples, não? Mas rapidamente nos damos conta de nossa dificuldade de nos mantermos atentos, abertos e interessados em nossa própria experiência presente e a tudo aquilo que ela nos proporciona. E é exatamente esse “dar-se-conta” de que perdemos, fugimos, escapamos, nos afastamos, do momento presente com o qual intencionalmente escolhemos nos encontrar, que é onde reside a força transformadora de Mindfulness.

A regularidade da prática é o ponto central deste processo de transformação. As mudanças aparecem a medida que se pratica de maneira hábil, criteriosa e necessariamente sem expectativas, o que é paradoxal. Buscamos praticar Mindfulness para experimentar mais paz, saúde e bem-estar em nossa vida. Mas para que a prática funcione, precisamos abandonar o desejo de atingir uma meta, um objetivo, pois esse desejo por si só representa uma resistência, uma fuga ao momento presente, tal como se apresenta, e portanto é uma das raízes da insatisfação e da infelicidade.  

Hoje, tal qual uma panacéia, Mindfulness é proclamada como solução para muitos problemas e doenças, e seus benefícios que se estendem pelas áreas da saúde, educação e no âmbito profissional e empresarial, contribuem sobretudo para essa percepção. Mas claro, Mindfulness não aplica a tudo e suas indicações são precisas e baseadas em evidências científicas. Os programas de intervenção baseados em Mindfulness, voltados para a promoção da saúde demandam conhecimento, formação, qualificação e experiência pessoal por parte daqueles que pretendem utilizar esse recurso com tal finalidade. É preciso ressaltar esse ponto! Ainda que a prática de Mindfulness possa ser entendida como algo inofensivo, o manejo inábil das técnicas pode resultar em problemas físicos e psicológicos.

Outro ponto fundamental em Mindfulness é o inevitável reconhecimento da condição humana. Quando entendemos através da própria experiência as características definidoras de nossa humanidade ─ eu e você, todos sem exceção, estamos sujeitos a dor e ao prazer, a doença e a saúde, a tristeza e a alegria, a conquistas e perdas, e a incontáveis outras experiências comuns ─ somos capturados por um profundo sentimento de compaixão e afeição por nós mesmos e pelos outros, e esse sentimento facilita e aprofunda a prática de Mindfulness, assim como a prática de Mindfulness desenvolve e amplia esse sentimento de compaixão. E claro, uma sociedade mais compassiva e altruísta é certamente causa de paz, felicidade e bem-estar. E esse é o papel social de Mindfulness!

Longe de ser uma panacéia, Mindfulness é uma alternativa para os nossos tempos, e uma das maiores dificuldades que encontramos nesse caminho é a de incorporá-lo em nosso atribulado dia-a-dia. O problema da manutenção da prática ao longo de tempo, assim como também comumente acontece em outras atividades humanas, precisa ser entendido como mais uma fase do processo de aprendizado e transformação. Medidas relacionadas com seus valores e motivações, com o apoio de um grupo de prática, com o aprofundamento do estudo, e com a realização de uma atividade voltada para a ajuda desinteressada à pessoas em ambientes desfavorecidos, podem efetivamente ampliar o seu escopo de compromisso e envolvimento com a prática de Mindfulness.

Assim, de modo geral, construir um sentido para a vida, enxergar a coerência de seus valores, de seus objetivos pessoais, de suas motivações e ações, podem lhe assegurar a força necessária para seguir em frente. E no caso de Mindfulness não é diferente. Você só conseguirá sustentar uma prática regular ao longo do tempo se essa atividade estiver ancorada em seus valores, já que estes constituem o principal sentido de sua vida. Eles dão propósito a sua vida!

Concluo parafraseando Vicente Simón, que prefaciou o livro objeto desta resenha, desejando que este simples texto contribua para que outras pessoas possam encontrar um caminho rumo à sabedoria compassiva e que desse modo eles próprios tornem-se fontes de sabedoria e compaixão para muitos outros seres.

Então, após essa breve reflexão, talvez você queira sentar-se de maneira confortável e digna, mantendo as costas eretas… talvez você possa fazer uma ou duas respirações mais profundas para sentir-se totalmente presente… fique no agora, plenamente atento… e descanse na pura e simples percepção deste momento, momento a momento… sem expectativas… pois tudo é perfeito exatamente como é.

por Paulo Cesar Silva Passini