Neste artigo, o filósofo e pensador norte-americano Ken Wilber, aborda de maneira esclarecedora o assunto tão controverso sobre Dinheiro e Espiritualidade, um tema que ainda causa uma extraordinária ambivalência, culpa e confusão, em relação à ideia de que Dharma e dinheiro jamais deveriam cruzar seus caminhos.
Grana Justa – Dinheiro e Espiritualidade
Ken Wilber
O Dharma é livre. Ninguém deve cobrar dinheiro por ensinar ou transmitir o Dharma. O Dharma que toca o dinheiro não é um Dharma. A raiz de todo o mal está em vender o Dharma. No Dharma oferecido gratuitamente a todos os que o procuram, há pureza, nobreza e disposição honrosa.
E assim vai o estranho antagonismo entre Dharma e dólares. Ao lidar com essa questão de dinheiro e Dharma — ou dinheiro e espiritualidade em geral — existem, pelo menos, dois itens muito diferentes que precisam ser separados e abordados isoladamente. O primeiro é o valor monetário apropriado de qualquer troca relacional (de cuidados médicos a educação, bens e serviços em geral); e o segundo é se a troca monetária deveria estar relacionada ao ensino do Dharma.
“Nós ainda vemos uma extraordinária ambivalência, culpa e nojo, em relação à ideia de que Dharma e dinheiro jamais deveriam cruzar seus caminhos. E isso é profundamente confuso.” Ken Wilber
Vamos tratar a última questão, a questão difícil, em primeiro lugar. Os primeiros grandes sistemas do Dharma, no Oriente e Ocidente, surgiram todos, sem exceção, no chamado “período axial” (Karl Jaspers), aquele período bastante extraordinário que começou por volta do século VI a.C. (mais ou menos alguns séculos), um período que viu o nascimento de Gautama Buda, Lao Tsé, Confúcio, Moisés, Platão, Patanjali — um período que logo cederia, nos séculos seguintes, para incluir Ashvaghosa, Nagarjuna, Plotinus, Jesus, Filo, Valentino, etc. Praticamente todos os principais dogmas da filosofia perene foram estabelecidos pela primeira vez durante esta época surpreendente (no budismo, hinduísmo, taoísmo, judaísmo, cristianismo, etc).
E em cada um desses casos, sem exceção, a civilização em que esses professores surgiram era uma cultura agrária.
Cultura e estruturas sociais
Culturas (e estruturas sociais) podem ser divididas e categorizadas de várias maneiras. Um caminho é lidar com esta questão de acordo com a visão de mundo predominante da cultura (arcaica, mágica, mítica, mental, existencial) — o que significa o nível de consciência alcançado pelo indivíduo médio ou típico nessas sociedades (o que forma a “visão oficial” de realidade dessa sociedade, ou seja, sua visão de mundo).
Outro caminho relaciona-se com a base tecno-econômica correspondente da sociedade (forrageamento, horticultura, agrária, industrial, informacional) — que se refere aos meios básicos de produção que a sociedade usa para se alimentar e se vestir, e ainda para gerenciar suas necessidades básicas (as cinco principais visões de mundo estão correlacionadas com as cinco principais bases tecno-econômicas; elas surgiram juntas e se determinam mutuamente).
Forragear significa caçar e colher (a maioria dessas sociedades existiu no período anterior à invenção da roda; vida média de 22,5 anos; tamanho médio máximo da tribo: 40 pessoas; a ideia dos ecologistas profundos: todos os verdadeiros homens podiam caçar, todas as mulheres colhiam frutos). Esta foi a principal forma das sociedades humanas por talvez um milhão de anos.
Horticultura significa plantio simples (geralmente feito com uma enxada ou vara de escavação), método que foi introduzido por volta de 10.000 a.C. As mulheres produziam a maioria dos alimentos nas sociedades hortícolas (até as mulheres grávidas podiam usar uma vara de escavação e a moradia ficava ao lado do local de trabalho, por isso as mulheres não eram prejudicadas pela maternidade; as mulheres produziam cerca de 80% dos alimentos nessas sociedades); os homens, é claro, continuaram a perambular, a manter os vínculos masculinos e caçar, seguindo os principais impulsos da testosterona: foda ou mate). Devido à importância das mulheres na produção de subsistência, cerca de 1/3 dessas sociedades tinham apenas divindades femininas (o “matriarcado”, a “grande mãe”); cerca de 1/3 tinham divindades masculinas e femininas misturadas. Duração média de vida: cerca de 25 anos. Principal ritual religioso: sacrifício humano. (Onde os eco-masculinistas amam sociedades de forrageamento, os eco-feministas amam as sociedades hortícolas, sua ideia de paraíso; nós amamos as velhas varas de escavação).
Agrário significa agricultura avançada usando várias formas de arados puxados por animais. Onde uma vara de escavação pode facilmente ser manuseada por uma mulher grávida, um arado não pode, e as mulheres que tentavam fazê-lo sofriam taxas significativamente mais altas de aborto espontâneo (é a vantagem darwiniana de não arar). E assim, com a introdução do arado, a cultura iniciava uma mudança massiva, absolutamente massiva]…
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Wilber, Ken – Grana Justa – Dinheiro e Espiritualidade
Publicado originalmente em https://integrallife.com/right-bucks/
Tradução e adaptação: Paulo C. S. Passini
Revisão: Jorge Watanabe