A Falácia Pré/Trans

Originalmente publicado no site integrallife.com em Julho de 2013
https://integrallife.com/pre-trans-fallacy/

Além do Romantismo

Tanto O Projeto Atman (1980) quanto Éden Queda ou Ascensão (1981) representou uma nova e importante fase no trabalho de Ken – a mudança para Wilber-2, marcada por uma transição da idealização retrô-romântica do passado para uma nova visão evolucionária de crescente bondade e totalidade. Ken descreve esse período como uma das transições teóricas mais difíceis que ele já fez em toda a sua carreira, não apenas porque inicialmente parecia virar de cabeça para baixo alguns de seus trabalhos anteriores, mas também porque ia contra a visão predominante que as pessoas tinham na época sobre a história humana. Essa visão era compartilhada não apenas pelos religiosos, mas também por acadêmicos e antropólogos que muitas vezes glorificavam as culturas primitivas e as retratavam como idealizados “nobres selvagens” os quais evitavam a guerra e viviam em perfeito equilíbrio com a natureza. Em outras palavras, que nascemos em um estado iluminado, perdemos esse estado em algum lugar ao longo do caminho e então temos que trabalhar para voltar ao nosso estado original de pureza iluminada.

Mas quando Ken começou a examinar mais de perto os dados antropológicos, ele sabia que algo estava errado com essa leitura da história. Olhando para o desenvolvimento cultural e individual, ficou claro que não começamos nossas vidas em algum estado integrado, para então perdermos essa integração à medida que crescemos. Em vez disso, Ken viu que começamos nosso desenvolvimento em um estado de fusão ou absorção pré-diferenciada com o meio ambiente, incapazes de distinguir onde terminamos e onde começa o resto do mundo. Então, passamos a nos diferenciar de nosso entorno, sedimentando limites entre o eu e o outro, dentro e fora, mente e corpo, e assim por diante.

Esse estágio de diferenciação era tipicamente visto como a causa de todos os nossos pecados e sofrimentos – comemos a maçã da Árvore do conhecimento, aprendemos a discernir o bem do mal e prontamente nos banimos de um paraíso mítico. Mas de acordo com essa nova visão evolucionária, comer a maçã não era um degrau; foi um passo à frente do Éden – uma transição da fusão pré-diferenciada da mente animal para a autoconsciência diferenciada, autorreflexão e capacidade de escolha que define o espírito humano, e só então segue para um estado de genuína integração com o mundo e com a natureza – uma verdadeira Iluminação.

Como Herman Hesse escreveu certa vez: “O caminho para a inocência, para o incriado e para Deus leva, não de volta ao lobo ou à criança, mas cada vez mais para o pecado, cada vez mais fundo na vida humana”. O objetivo da iluminação não é regredir ou retroceder para retornar a algum paraíso primordial perdido, como acreditavam os retro-romanticos. Em vez disso, devemos continuar em frente através da fragmentação e discernimento, sofrendo os impactos da ultrajante manifestação, antes que possamos alcançar um estado de perfeita integração com todas as coisas.

A falácia pré/trans

Equipado com essa nova compreensão evolucionária, Ken notou uma confusão central que tornava muito difícil discernir entre os estágios inferiores e os estágios superiores. As experiências místicas transracionais eram frequentemente descartadas como sendo fantasia pré-racional, os valores pós-modernos eram erroneamente projetados em culturas pré-modernas e a impulsividade e o hedonismo pré-moderno eram celebrados pela contracultura pós-moderna. Ao invés de ver a psicologia como um processo de desenvolvimento que vai do pré-racional ao racional para o trans-racional (ou fusão pré-diferenciada para diferenciação para integração pós-diferenciada), uma pessoa era vista como racional ou não, resultando no descarte do bebê trans-racional junto com a água do banho pré-racional.

Esse equívoco entre “pré-” e “trans-” ficou conhecido como a falácia pré/trans , uma das contribuições teóricas mais populares e profundas de Ken, e que continua a nos ajudar a entender muitos dos conflitos e confusões centrais que atravessam a psicologia e a academia ocidentais.

A falácia pré/trans na verdade elucidou uma das principais falhas entre dois dos maiores fundadores da psicologia moderna, Sigmund Freud e Carl Jung, que estavam em lados opostos dessa falácia – Freud reduziria os estados espirituais a uma ressurgimento de sentimentos infantis, enquanto Jung elevaria a mitologia pré-racional à glória trans-racional. A compreensão da falácia pré/trans nos permite juntar as peças em um todo mais abrangente, liberar e integrar o insight genuíno oferecido por esses dois pioneiros e separar seu brilho dos mal-entendidos que eram crescentes, antes que essa visão desenvolvimentista finalmente surgisse.

Essa reconciliação de ideias aparentemente irreconciliáveis ​​ou incompatíveis talvez seja a característica definidora de toda a carreira e filosofia de Ken: encontrar os padrões que conectam, unir teorias aparentemente díspares, transcender e incluir as maiores mentes da história em um único modelo integrado da vida, do universo, de tudo — um modelo que continuaria a se tornar mais inclusivo, mais abrangente e mais elegante a cada passo.

Da série de biografias de Ken Wilber
escrita por Corey deVos