Vivemos em tempos fascinantes. Durante décadas, temos visto um crescimento explosivo exponencial da tecnologia, e os efeitos desse crescimento só agora estão começando a surgir. Como resultado, o que parecia ser ficção científica até poucos anos atrás, está rapidamente se tornando realidade. Especialmente quando se trata de inteligência artificial, que atingiu recentemente um novo nível de sofisticação e usabilidade, como pode ser visto nos altamente capazes “assistentes digitais”, tais como Siri, Cortana, e Google Now.
É uma era de milagres tecnológicos, e as repercussões para o futuro estão apenas começando a serem conhecidas.
Como a inteligência artificial se torna cada vez mais onipresente em nossas vidas, alguns de nossos mais respeitados cientistas, engenheiros e filósofos estão começando a nos advertir sobre as possíveis consequências desta tecnologia ainda incipiente. Stephen Hawking, Bill Gates, e Elon Musk, recentemente nos alertaram sobre a possível militarização da IA, que ameaça nos levar a uma espiral de corrida armamentista das mais horríveis e destrutivas que o mundo já viu.
Isto não significa uma nova preocupação, é claro. Isaac Asimov previu esse dilema já em 1942 com suas famosas “Três Leis da Robótica”, que tentaram chegar à frente do problema através da formulação de um conjunto de parâmetros lógicos para o comportamento ético racional que poderiam ser programados em qualquer inteligência artificial:
1. Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2. Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
E, claro, a lei anterior, a “lei zero”
0. Um robô não pode prejudicar a humanidade ou, por inação, permitir que a humanidade sofra algum mal.
Mas uma coisa é programar uma máquina com valores humanos – mas o que acontece se as máquinas começarem a se programar e formular seus próprios valores? Será que esses valores se desenvolveriam através de estágios de maneira semelhantes como os valores humanos se desenvolvem? Mais importante, nós temos alguma razão para acreditar que desempenharíamos algum papel significativo nesses valores?
Aqui está o problema. A inteligência humana, a criatividade, valores e consciência não se materializaram repentinamente do vácuo. Pelo contrário, isso tudo é o resultado de um experimento de 14 bilhões de anos de evolução, impulsionados por um único mecanismo evolutivo, bastante simples: “transcender e incluir.”
- Átomos são transcendidos e incluídos pelas moléculas,
- Moléculas são transcendidas e incluídas pelas células,
- As células são transcendidas e incluídas por organismos multicelulares,
- Organismos multicelulares são transcendidos e incluídos por sistemas nervosos simples,
- Sistemas nervosos simples são transcendidos e incluídos pelo tronco cerebral reptiliano,
- Tronco cerebral reptilianos são transcendidos e incluídos pelo sistema límbico de mamíferos,
- O sistema límbico de mamíferos é transcendido e incluído pelo neocórtex humano.
Como formas cada vez mais complexas de matéria são produzidas pela evolução, cada vez maiores formas de consciência e inteligência surgem com cada etapa. O que significa que a sua inteligência repousa sobre e reside dentro de uma incrivelmente longa cadeia de componentes – quarks evolutivos, átomos, moléculas, células, órgãos, sistemas nervoso, etc – um magnífico legado de emergência inteligente, que se estende por todo o caminho desde o Big Bang .
Assim inteligência orgânica é algo como “olhar através de uma cebola de vidro” – cada camada da cebola possui o seu próprio grau de consciência abrangente, e cada uma contribui para a totalidade que experimentamos como “consciência” e “inteligência”. Você não é apenas uma camada da cebola. Você é a cebola toda.
Nossos esforços para criar inteligência artificial, por sua vez, estão adotando uma abordagem completamente diferente. Nós estamos essencialmente tentando reproduzir a mais “elevada” inteligência, a camada mais externa da cebola, utilizando apenas os materiais das camadas mais baixas, das camadas mais básicas. Estamos tentando replicar o equivalente a consciência humana em átomos e moléculas apenas, enquanto ignoramos todo o material “mole e molhado” da evolução biológica.
Esta tentativa de “tocar” a mais externa camada da inteligência humana pode realmente ser uma das razões pelas quais a inteligência artificial pode se destacar em comportamentos humanos específicos, tais como jogar xadrez, encontrar direções, ou dirigir carros, mas não quando se trata de tarefas simples como localizar e escolher um clipe de papel do chão. Como se vê, o que pensávamos que eram os problemas mais difíceis tendem a ser mais fáceis de resolver, e os problemas “fáceis” são, de longe, os mais difíceis. Os computadores podem facilmente derrotar os maiores campeões de xadrez do mundo, mas não pode nem de perto ter as das habilidades necessárias para resolver problemas adaptativos básicos possuídas por crianças.
Mesmo que fosse para ter sucesso na criação de um novo tipo de inteligência, esta inteligência, por sua própria natureza, seria completamente estranha para nós. Os seres humanos são capazes de uma quantidade incrível de conexões e compaixão por outras formas de inteligência deste planeta, especialmente porque nós compartilhamos tanto de nossa própria herança morfogenética com todas as outras criaturas. Já um agente de inteligência artificial, por outro lado, não compartilharia a hereditariedade evolutiva conosco ou qualquer outra coisa na existência, e teria pulado o desenvolvimento biológico completamente. O que nós poderíamos esperar ter em comum com uma entidade dessa?
Assim, quando se trata do futuro da inteligência artificial, parece que temos mais perguntas do que respostas. São átomos, moléculas e matemática sozinho suficientes para produzir máquinas com equivalente e genuína inteligência humana? Pode essa inteligência nunca se tornar verdadeiramente consciente e possuir a “luz interior” da auto-consciência? Será que a inteligência artificial é capaz de determinar seus próprios valores morais e éticos? Será que esses valores transcendem e incluem a continuação da existência da raça humana, ou será que esse compartilhamento de inteligência terá tão pouca ressonância com a gente que a nossa própria sobrevivência pode ser ameaçada?
E quem vai finalmente acabar ganhando o futuro: os cyborgs ou os andróides?
Ken Wilber
https://www.integrallife.com/video/future-artificial-intelligence