A prática básica de Mindfulness

Para realizar a prática básica de Mindfulness, tudo que você tem que fazer é sentar-se em uma posição confortável, relaxar a mente e então trazer a atenção para o momento presente, para o que quer que esteja surgindo. Comece por sentar-se no chão, lentamente cruze as pernas ou assuma a postura de lótus padrão da prática de yoga; coloque as palmas das mãos pra cima, uma sobre a outra descansando em seu colo ou coloque as palmas das mãos sobre os joelhos; ou sente-se em uma cadeira com os pés apoiados no chão, coluna ereta e mãos numa dessas duas posições. Em seguida, simplesmente relaxe a atenção, enfocando o momento presente, e com calma e clareza, observe o que está acontecendo, tanto interiormente quanto exteriormente. Normalmente você será instruído a prestar atenção num aspecto específico de sua experiência presente, por vez — sua respiração é de longe o mais comum. A ideia é manter-se consciente de sua respiração quando inspira e, em seguida, observar a pausa, então prestar atenção na expiração, depois na pausa, e a seguir a próxima inspiração, e assim por diante. Se você perder o foco — se você se encontrar pensando no passado ou no futuro ou na sua vida atual (algo irritante ocorrido no trabalho na semana passada, ou um evento emocionante que acontecerá amanhã, ou dificuldades em seu relacionamento atual), gentilmente deixe esses pensamentos e retorne a seguir para a respiração. Faça isso de 10 a 40 minutos, uma ou duas vezes por dia.

Parece simples, não é? Em um certo sentido, é, muito simples. Até que você tente isso. Então você notará quão inútil na verdade sua mente é nesta tarefa e como essencialmente pouco controle você tem sobre seus próprios pensamentos. Você perceberá que perde o foco da respiração constantemente; imagens e pensamentos selvagens inundarão sua consciência; às vezes sentimentos poderosos e desagradáveis vão lhe oprimir; em outras ocasiões incrivelmente positivas, até mesmo bem-aventuradas, esses sentimentos irão passar através de você. Você começará a perceber quão pouco da sua própria mente, de seu próprio interior, você tem realmente conhecido. Você irá começar a perceber de uma maneira poderosa que, se os pensamentos são o que guiam o comportamento, então esses pensamentos confusos e erráticos são a sua condição padrão atual, eles estão lhe conduzindo à comportamentos confusos, erráticos e problemáticos. Praticamente todas as áreas da sua vida estão sendo vividas com muito menos sucesso, coerência, qualidade, harmonia, realização, cuidado e excelência, do que você poderia ter. E isso acontece em cada área — porque esta atrapalhada e errática “mente de macaco” está com você em praticamente todas as áreas da sua vida, pois esta situação é subjacente à condução de seu comportamento. Nas áreas em que você realmente pode ter conseguido bastante sucesso, se você olhar atentamente para elas, verá que são quase sempre as áreas em que você realmente consegue se concentrar de forma clara, coerente e livre — frequentemente essas experiências são chamadas de estados de fluxo. Estes estados de fluxo de coerência permitem que você faça o que estiver fazendo, da sua melhor maneira (e geralmente, portanto, com bastante sucesso) — seja no trabalho, ou em relacionamentos, ou criando seus filhos, ou simplesmente relaxando. Bem, a meditação mindfulness é uma maneira de tornar sua vida inteira um estado de fluxo.

do livro “Integral Meditation” – Ken Wilber

Mindfulness, a vida como ela é

O livro “Manual Prático – Mindfulness, Curiosidade e aceitação” (Palas Athena, 2015), de Javier García Campayo e Marcelo Demarzo, apresenta de forma clara e sistemática um caminho saudável para lidarmos com os desafios inerentes a vida humana, intensificado pelas constantes mudanças e transformações de nosso mundo contemporâneo.

Com Origem nas antigas tradições religiosas orientais, a prática de mindfulness foi introduzida no ocidente a partir do século XX pela psicologia e medicina. Em 1979, a fundação do Centro de Mindfulness na Universidade de Massachusetts (EUA), por Jon Kabat-Zin, marca o início de um período de grande desenvolvimento dos programas baseados em mindfulness voltados para a área da saúde.

Mindfulness não significa meditação. Refere-se a um estado ou característica da mente humana, presentes em todas as pessoas, em maior ou menor intensidade. A meditação é uma das técnicas mais utilizadas para desenvolver essa característica. Definindo, mindfulness é a capacidade de manter-se atento ao momento presente (Atenção), de forma intencional (Intenção), com uma atitude de curiosidade e aceitação (Atitude).

O cultivo desse tipo de estado mental é capaz de promover resultados como a autorregulação da atenção e uma atitude mais aberta a experiência, onde o indivíduo experimenta gradualmente a redução dos processos mentais ruminativos, dos devaneios sobre o passado e futuro, e da falta de atenção e concentração na própria experiência. A de se notar que tais fatores, sobre os quais a prática de Mindfulness atua, compõem alguns dos importantes quadros de sofrimento psíquicos da atualidade, como a ansiedade e a depressão.

De fato, atualmente, inúmeras pesquisas demonstram os benefícios que a prática regular de Mindfulness é capaz de proporcionar àqueles que se dispõem a percorrer um caminho particular de transformação e aprendizagem, buscando encarar a si mesmo, os outros, suas relações pessoais e a própria vida, na exata forma como ela se apresenta, sem nada lhe acrescentar, sem nada lhe retirar. Como se entende em Mindfulness a dor é apenas dor, o prazer é apenas prazer, a sensação, o sabor, o som, e toda e qualquer outra experiência, é apenas exatamente o que é.

E toda essa jornada se inicia com exercícios e práticas muito simples, mas completamente desafiadoras. Experimente manter-se atento a sua própria respiração, e a tudo que isso evoca em sua experiência imediata, por alguns momentos. E isso é tudo! Simples, não? Mas rapidamente nos damos conta de nossa dificuldade de nos mantermos atentos, abertos e interessados em nossa própria experiência presente e a tudo aquilo que ela nos proporciona. E é exatamente esse “dar-se-conta” de que perdemos, fugimos, escapamos, nos afastamos, do momento presente com o qual intencionalmente escolhemos nos encontrar, que é onde reside a força transformadora de Mindfulness.

A regularidade da prática é o ponto central deste processo de transformação. As mudanças aparecem a medida que se pratica de maneira hábil, criteriosa e necessariamente sem expectativas, o que é paradoxal. Buscamos praticar Mindfulness para experimentar mais paz, saúde e bem-estar em nossa vida. Mas para que a prática funcione, precisamos abandonar o desejo de atingir uma meta, um objetivo, pois esse desejo por si só representa uma resistência, uma fuga ao momento presente, tal como se apresenta, e portanto é uma das raízes da insatisfação e da infelicidade.  

Hoje, tal qual uma panacéia, Mindfulness é proclamada como solução para muitos problemas e doenças, e seus benefícios que se estendem pelas áreas da saúde, educação e no âmbito profissional e empresarial, contribuem sobretudo para essa percepção. Mas claro, Mindfulness não aplica a tudo e suas indicações são precisas e baseadas em evidências científicas. Os programas de intervenção baseados em Mindfulness, voltados para a promoção da saúde demandam conhecimento, formação, qualificação e experiência pessoal por parte daqueles que pretendem utilizar esse recurso com tal finalidade. É preciso ressaltar esse ponto! Ainda que a prática de Mindfulness possa ser entendida como algo inofensivo, o manejo inábil das técnicas pode resultar em problemas físicos e psicológicos.

Outro ponto fundamental em Mindfulness é o inevitável reconhecimento da condição humana. Quando entendemos através da própria experiência as características definidoras de nossa humanidade ─ eu e você, todos sem exceção, estamos sujeitos a dor e ao prazer, a doença e a saúde, a tristeza e a alegria, a conquistas e perdas, e a incontáveis outras experiências comuns ─ somos capturados por um profundo sentimento de compaixão e afeição por nós mesmos e pelos outros, e esse sentimento facilita e aprofunda a prática de Mindfulness, assim como a prática de Mindfulness desenvolve e amplia esse sentimento de compaixão. E claro, uma sociedade mais compassiva e altruísta é certamente causa de paz, felicidade e bem-estar. E esse é o papel social de Mindfulness!

Longe de ser uma panacéia, Mindfulness é uma alternativa para os nossos tempos, e uma das maiores dificuldades que encontramos nesse caminho é a de incorporá-lo em nosso atribulado dia-a-dia. O problema da manutenção da prática ao longo de tempo, assim como também comumente acontece em outras atividades humanas, precisa ser entendido como mais uma fase do processo de aprendizado e transformação. Medidas relacionadas com seus valores e motivações, com o apoio de um grupo de prática, com o aprofundamento do estudo, e com a realização de uma atividade voltada para a ajuda desinteressada à pessoas em ambientes desfavorecidos, podem efetivamente ampliar o seu escopo de compromisso e envolvimento com a prática de Mindfulness.

Assim, de modo geral, construir um sentido para a vida, enxergar a coerência de seus valores, de seus objetivos pessoais, de suas motivações e ações, podem lhe assegurar a força necessária para seguir em frente. E no caso de Mindfulness não é diferente. Você só conseguirá sustentar uma prática regular ao longo do tempo se essa atividade estiver ancorada em seus valores, já que estes constituem o principal sentido de sua vida. Eles dão propósito a sua vida!

Concluo parafraseando Vicente Simón, que prefaciou o livro objeto desta resenha, desejando que este simples texto contribua para que outras pessoas possam encontrar um caminho rumo à sabedoria compassiva e que desse modo eles próprios tornem-se fontes de sabedoria e compaixão para muitos outros seres.

Então, após essa breve reflexão, talvez você queira sentar-se de maneira confortável e digna, mantendo as costas eretas… talvez você possa fazer uma ou duas respirações mais profundas para sentir-se totalmente presente… fique no agora, plenamente atento… e descanse na pura e simples percepção deste momento, momento a momento… sem expectativas… pois tudo é perfeito exatamente como é.

por Paulo Cesar Silva Passini